Arquivo | janeiro 2018
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Au Revoir, M. Bocuse!
Rio, 25 de janeiro de 2018. Au Revoir, M. Bocuse
24 jan
Paul Bocuse era um homão cordial, bem humorado, mulherengo, de bem com a vida. Sempre disposto a prestigiar a “numerosa família de cozinheiros”, mundo afora, embora tivesse a sua patota francesa, o que é normal porque a gastronomia também estabelece uma hierarquia dos grupos humanos. E sempre pronto a posar ao lado de um cliente, um prato, uma paisagem. Era midiático assumido. Se aparecia uma máquina fotográfica (acho que não pegou a onda dos selfies) ele se espigava e ficava imperial, pronto para a posteridade. Quase sempre com os braços cruzados sobre o vasto peito.
Esta foto foi tirada comigo, no restaurante St. Honoré (Hotel Méridien, Rio), em 1991, em pose rara: sorrindo e sem os braços cruzados.
Adiante: grosso modo, nos primeiros mil e seiscentos anos da nossa era, se comia em casa, no convento, na caserna — ou nos palácios (para poucos). Como é sabido, foi só depois da Revolução Francesa de 1789 que os “cozinheiros do rei” perderam o emprego e foram abrir estabelecimentos de restauração (os “bouillon restaurant”, ou seja, caldo restaurador) nos vilarejos e depois em Paris. No século seguinte, XIX, esses restauradores-restaurantes se espalharam pela Europa, com um traço que os caracterizava: pratos variados constantes de um quadro negro/cardápio, com preço e horários fixados. Mas, com raríssimas exceções, o cozinheiro só era conhecido pela família, amigos ou os donos do negócio. Aqui no Rio, por exemplo, minha geração e as anteriores frequentaram às vezes durante anos o mesmo bom restaurante sem nunca terem visto a cozinha — e muito menos o cozinheiro! Embora após uma saborosa refeição houvesse a inconsciente certeza (dos comensais) que alguém, lá dentro, era um alquimistas do paladar.
Por isso, não dá para jurar que Bocuse tenha sido o primeiro mas, com certeza, foi um dos pioneiros a adicionar à essa áurea de mágico da transformação da matéria-prima em iguaria a do ator principal no restaurante. O cozinheiro presencial. Por intuição, o que lhe dá mais valor. Nunca fez um curso de marqueting, nem coaching, mas nasceu marqueteiro do bem, como disse o Josimar Melo numa nota-obituária, que conclui: “ao surgir no salão do seu estrelado Collonges-au-Mont-d’Or e correr as mesas, ora cumprimentando com a cabeça, ora trocando um dedo de prosa com os convidados, ele contribuiu grandemente para enaltecer a profissão do cozinheiro, antes (como eu digo no início) um operário anônimo”.
Essa necessidade de exibição se instalou no seu ego desde quando moço. Aos 17 anos alistou-se no exército francês para lutar contra o nazismo, foi ferido e os americanos lhe fizeram a tatuagem de um galo no braço. Ele passou a exibir como troféu!
Com a idade e a fama, aí decolou! Aliás é só ver uma foto externa do seu restaurante para ter certeza!
Assistam o vídeo.
Claro que antes do Bocuse outros criativos cozinheiros imprimiram a sua marca à arte de transformar o alimento em experiência dos sentidos, em mega espetáculos — prerrogativa dos banquetes de estado e da mesa de grandes negócios (no free lunch!).
Todos tiveram seus nomes — e lenda — associados a reis e presidentes. Valem registro nesse pantéon, Taillevent (1310-1395), Vatel (1631-!671), Carême (1783-1833), Escoffier (1846-1935) e, por fim, o nosso Bocuse (1927-2018), a quem o então presidente Giscard d’ Estaing outorgou a Legião de Honra, em 1975, no Palácio “l’ Élysée”, cerimonia a que se seguiu o banquete em que o chef serviu a sua sopa de trufas VGE.
Hoje ela faz parte do menu de 550 euros para duas pessoas, e mais:
Escalope de foie gras de canard poêlée, sauce passion
Soupe aux truffes noires V.G.E.
(plat créé en 1975 pour l’Elysée)
Filets de sole aux nouilles Fernand Point
Granité des vignerons du Beaujolais
Volaille de Bresse truffée en vessie
Sélection de fromages frais et affinés “Mère Richard “
Délices et gourmandises
Petits fours et chocolats
Vejam o vídeo com a cerimonia da condecoração.
Bocuse é, também, um dos papas da chamada Nouvelle Cuisinne, termo que ele usou para explicar a simplificação dos molhos e volume e a busca de ingredientes frescos, criados inicialmente para o cardápio do voo inaugural do Concorde em 1969. Depois o exagero na redução (pratão x comidinha) acabou por transformar essa tendência num meio termo que é hoje praticado com vários “títulos”: cozinha autoral, o melhor do simples…
Paul Bocusse morreu aos 91 anos, do Mal de Parkinson, no mesmo quarto onde nasceu. Seu nome se inscreve no “menu” dos que fizeram a diferença na marcha da humanidade — a estrela que brilhou mais do que aquelas que recebeu em seu restaurante, e que agora ficou encantada — até porque foi tão capaz de transformar um prato de comida em um poema, quanto de transformar a sua vida pessoal em uma obra-prima.
Boa viagem, mestre!
http://jblog.com.br/reinaldo/2018/01/24/rio-25-de-janeiro-de-2018-au-revoir-m-bocuse/