Carmen Mayrink Veiga: pontos altos entrevista à Vogue de março de 1997 Morta em 2017, Carmen foi capa e recheio da edição, entrevistada por Ignácio de Loyola Brandão

Carmen Mayrink Veiga (Foto: Reprodução/Acervo Vogue)
Carmen Mayrink Veiga (Foto: Reprodução/Acervo Vogue)

Carmen: nasci em Pirajuí, Estado de São Paulo. O meu pai trabalhava com café e marávamos numa chácara cheia de brinquedos para rodar, gangorra para balançar, piscina. Eu tinha meu cavalo, uma charrete, então ia para a cidade, era uma coisa ótima.

A minha mãe nunca foi amiga de viajar, só era uma pessoa que fazia tudo o que se tem de fazer. Assim, era sagrado em julho a gente passar em Campos do Jordão. Não tinha que querer ou não, tinha que ir! Depois as férias em Guarujá. Não, antes a gente começou indo para São Vicente, depois Guarujá. E, fora isso, todo ano havia uma coisa chatérrima: 21 dias em estação de águas – Caxambu, Poços de Caldas, São Pedro, tudo o que era lugar.

Minha mãe era superquadrada, tinha que fazer, quisesse ou não. Um belo dia, apareci no Guarujá, já com 13 anos, tendo 1,78m de altura, um corpaço para a época. Os fotógrafos me descobriram, começou uma enxurrada de fotos em cima de mim. Meu pai ficou uma vara: ‘Como é que uma menina de família sai em foto de maiô?’ Foi um verdadeiro drama…

RUEIRA E ASSANHADA
E era maiô inteiro?
Na época ainda era. Em seguida, comecei a sair de biquíni, mas demorou uns dois anos. Acontece que meu pai, achando bom ou ruim, guardou todas as fotos, recortes, não jogou fora. Quando olho para esses álbuns vejo que comecei a aparecer muito cedo. E saí muito, demais. Acho que estava deslumbrada com o sucesso, garotíssima, criada no mato…. Aliás, logo que me casei, tentei não sair mais. O Tony sempre odiou sair, sempre detestou, eu é que sempre fui rueira e assanhada. Não adiantou nada. A primeira vez que reapareci, ficou aquela coisa…

Cabelão até aqui.
Na época ia até a cintura, cabelão mesmo! Ninguém usava cabelo daquele tamanho, ninguém apreciava o formato do meu nariz, e todo mundo fazia plástica. O nariz da moda era o da Elizabeth Taylor…. Eu me achava o máximo. Nos anos 50, fomos para Paris. Um grupo enorme. E nele a Danuza e eu, as duas únicas solteiras, o resto era gente casada… Lançamento dos tecidos Bangu no Castelo de Coberville. Fiz um enxoval, inteiro Bangu, aconteceram bailes, festas e nós estávamos em todos. Não é que a gente desfilasse, a gente usava os vestidos!

PAI E MÃE
Meu pai era organizadérrimo. Ele tinha um cabide para pendurar a calça, dobradinha, usava abotoadura, prendedor de gravata, com uma pedra, um brilhante e relógio patacão de ouro. A minha mãe era uma maravilha. Se ela tinha um encontro às 15h30, a hora que chegasse ela virava o relógio e punha 15h30. Esse lado meu chaterrímo, exigente, de pontual, puxei do meu pai. Agora, esse lado de organização, a mania de comer bem, saber cozinhar bem, fazer bem tudo que se tem que fazer, eu puxei da minha mãe.

DESPERTAR
E o seu dia-a-dia?
Acordo, leio os jornais, leio quatro jornais, às vezes cinco. Mais espio do que leio: a Folha de S. Paulo, o Estado, O Dia, O Globo e o Jornal do Brasil. Semanalmente, a Time. Levanto-me logo que acordo, detesto ficar no quarto, no meu quarto nunca entrou uma comidinha. Não tomo café no quarto. Abro a janela do meu quarto, tenho horror que a arrumadeira entre. Abro tudo, quero saber logo como é que está o tempo, solto meu gato, e ele vai passear pela casa, porque ele dorme comigo.

SAINDO POUCO
Meu almoço é super ligeiro. Um frango, um peito grelhado. Daí eu almoço em casa, o Tony almoça em casa todo dia, mas não pega leve. Come arroz, feijão, bife, batata frita, croquete, pastel, massas. Uma loucura o que ele come e não engorda nem um grama. Um e outro happy hour, cada vez menos. Janto cedo, às vezes saio para jantar sábado. Boate sempre detestei. Parece que frequentei muito, mas, na verdade, frequentei muito mais em jornal e revista.

UM CINEMA À TARDE
Adoro leilões de arte. Nem que não vá comprar nenhum cinzeiro, gosto de ver leilão, sempre me diverti. Durante 20 anos sempre passei o mês de novembro em Londres. Às 11 horas, todo dia, eu estava na Sotheby’s, pertinho do Claridge. Leilão é uma aula. Você pega aquele catálogo e vai anotando: o estilo dos móveis, o valor, então a gente está atualizada sempre, isso é importante. Vou muito a museu, ao museu de Belas Artes, faço parte do Conselho de Amigos do Museu, adoro exposição, sou muito ligada à arte, vou muito ver leilão. Se tem um filme bom, vou à tarde, vou sozinha, nem passa pela cabeça do Tony ir. Às vezes, passo por uma igreja, rezo um pouquinho, 10 minutos, 5 minutos.

MINHA MODA É MINHA MODA
Por incrível que pareça, detesto fazer compras. Não vou a lojas, tenho pavor, pânico de loja. É chatérrimo. Duas vezes por ano me organizo. No Brasil, verão e inverno, se bem que aqui não existe quase inverno. Na Europa é primavera, verão, outono e inverno. Então, duas vezes por ano, pego uma semana, encomendo vestido, sapato, bolsa, tudo o que vou precisar. A minha roupa é muito clássica, então não é coisa que me preocupe. Não sou de: “Olha, está na moda sandália.” Vou procurar o que tem, não estou nem aí. A minha moda é minha moda, sigo e gosto, não nada preocupada.

Você tem lugares determinados onde compra, encomenda?
Bom, praticamente me vesti, durante mais de 30 anos, na alta-costura, o Givenchy, que não trabalha mais, o Saint-Laurent, que adoro, alguma coisa do Ungaro. Quando faço roupas no Brasil, e faço sempre, mesmo quando morei em Paris, encomendava coisas da Maison Liliane, uma alta-costura muito boa, e do Guilherme Guimarães, ótima fashion line. Hoje tem muita gente boa na moda. Se bem que alta-costura a gente não precisa no Rio de Janeiro. Aqui no Rio o prêt-à-porter é mais que suficiente. Sinto-me confortável na hidroginástica com os maiôs da La Perla e adoro os maiôs Lenny.

Mudanças na sociedade carioca?
Dizer que a sociedade carioca mudou ou não mudou é um pouco diferente, agora. Meus amigos, eu, nós continuamos nos encontrando, um vai em almocinho na casa do outro, de vez em quando tem um jantar. O que acabou, literalmente, foram as grandes festas. Ninguém mais dá um jantar, entrou um pouco no sistema americano, o que acontece grande é beneficente. Ninguém mais dá um jantar de cento e tantas pessoas sentadas, lugares marcados, isso infelizmente foi acabando. Mas não acabou só aqui, acabou em Paris também. O único lugar que mantém vida social bastante intensa é Nova York, mas baile é tudo beneficente, aliás, lá sempre foi. Ia duas vezes por ano em Nova York.

SAIBA MAIS

PLÁSTICA NUNCA!
A minha cadeira predileta é a do avião. Não entro em barco, não conheço. Tony alugou uma casa em Angra, durante três anos. Nesses três anos, fui no máximo a cinco ou seis weekends, se tanto. À praia, desde os anos 70, não vou mais. Vou à piscina, mas não tomo sol. Por isso nunca fiz plástica, nunca vou fazer. Só um conserto, vez ou outra, aqui no pescoço. A ruga volta, ligo para Mário Galvão: Mário, manutenção. Tomo anestesia local, põe um ponto. Na cara, nem morta. E o nariz. Quem sabe onde tem o nariz, não mexe nele. Tinjo os cabelos. Eles são claros, originalmente. A vida inteira tingi de preto.

MEDO
Nunca tive medo de nada na minha vida. Desde o dia em que nasci. Não conheço a palavra medo. Sou uma sobrevivente, é verdade: uma vez, estava indo para um almoço, uma bala perdida moeu o para-brisa do carro. Outra vez, passei de carro por um fogo cruzado numa das saídas do metrô. Se for vítima de uma bala perdida, é meu destino.

NAS FOTOS E NO REAL
Carmen: Eu era popular na alta sociedade, hoje fiquei popular entre o povo mesmo. Acho um barato, entro na loja, me param, me olham, me perguntam. Já ouvi: ‘Puxa, você é mais bonita do que nas fotografias’. ‘Você é bem melhor nas fotos’. Precisa ver as cartas, tem de todo o tipo, até de uma freirinha de 90 anos. Nas palestras, os homens que perguntam mais. Outro dia um se levantou e perguntou: ‘Vou receber em minha casa uma moça muito bonita, o que devo fazer para recebê-la bem? ’. E eu: ‘Com a dificuldade de homem, hoje em dia, e com o teu físico, não se preocupe, jogue o charme que já chega’.

CONTRA A SEPARAÇÃO
Meu plano não era o casamento. Fiquei noiva várias vezes, em todas eu pá, desmanchava, não estava a fim de casar. Conheci o Tony, namorei e casei rapidíssimo. Ele era um bonitão fora de série, simpático, divertido e finalmente quando vi estava apaixonada e felizmente assim continuo. Enfim, a gente se deu bem, porque como ele sempre detestou tudo que eu gosto e eu também não gostava de quase nada que ele gosta, deu para a gente se entrosar. Casamento para mim é sagrado. Sou contra separação. Literalmente contra! Agora está na moda, os homens vão ficando mais velhos, um belo dia chegam e simplesmente dispensam a mulher. É a única coisa em que a Igreja Católica não me influenciou. Ninguém pode dizer que nunca me separei porque sou católica ou por causa dos meus filhos. Nunca me separei porque não tenho estofo para ser Elizabeth Taylor. Porque se você começa, não para! E a gente vai se casando, casando. Jamais iria aturar uma ex-mulher de não sei quem, um ex-marido, filhos de um, filhos de outro. Não tenho cabeça para isso, quero tudo à minha moda. Muitos problemas vêm atrás da separação. Todas as manhãs quando acordo, a primeira coisa que faço é lustrar minha auréola. Graças a Deus, tive filhos fora de série, consegui educar bem os dois, Antonia e Antenor. O Tony é um bom marido. Morei 22 anos em Paris, ele morava entre Rio e Paris, ia um pouco para lá, onde eu ficava fixa, fazendo na vida o que literalmente adoro: exposições, museus, ir a palestras sobre porcelana e quadros, enfim, tudo sobre arte.

CARMEM AVÓ
Quantos netos você tem?
Cinco. Neste mês nasceu minha segunda neta, filha de Antenor. A minha filha tem três filhos, dois meninos e uma menina, e meu filho tem um filho e uma filha. Sou muito ligada à família, sempre que posso sair com meus filhos, com alguém, eu saio. Férias dos meus netos, eles estando no Rio, passo com eles, vou à matinê, ao teatrinho.

RIO E SÃO PAULO
À noite, saio pouco. Primeiro, porque adoro televisão, sigo novela, igual a qualquer pessoa. Adoro, tem uns programas de TV que não perco de jeito nenhum. Adoro Roda Viva. Vou a um jantar, de preferência pequeno. Aos grandes, vou cada vez menos. Este ano, lembro-me de ter posto um vestido e o Tony ter posto o black-tie, nesse baile que houve no Museu de Belas Artes. Foi uma maravilha de festa, internacional. Engraçado, a única mulher que tinha joias fantásticas era de São Paulo, era paulista. Muito diferente a vida de São Paulo e Rio. Não tem nada a ver, são dois mundos completamente diferentes.

FUMO E ÁLCOOL
Tem duas coisas: todo mundo bebe, eu nunca fui de bebida. Todo mundo fuma, eu nunca fumei.

RECEBER
Carmen: Hoje, em cada dez almoços, nove são em restaurantes. Em cada dez jantares, nove são em restaurantes. Porque custa um terço do preço. Receber fora é muitíssimo mais barato do que receber em casa. Uma grande parte das pessoas está com problemas financeiros e a maioria tem medo de se expor, se exibir.

O QUE É ELEGÂNCIA
Elegância é o modo de vida. Ela não tem nada a ver com a mulher bem vestida. Qualquer mulher que tenha um dinheiro relativo, vai a Paris, encomenda dez vestidos na alta-costura, compra sapatos, faz tudo e estará bem vestida. Obviamente ela pode errar, pode colocar um colar que não tem nada a ver com a roupa, mas olhando, você tem a impressão de que ela está bem vestida. Elegância, para mim, é o modo de vida. A elegante, é a que se veste para ela, a que é clássica. Me perguntam sobre esses estilistas modernos, nem sei o nome deles, acho tudo uma coisa engraçada. Se eu tivesse 18 anos, com certeza ia usar, porque a madame Grés, que foi uma das maiores costureiras do mundo, já fazia tudo que Versace faz hoje. Muita gente me diz: ‘Ah, você se veste cheguei’. Eu respondo: ‘Não me visto cheguei, eu sou cheguei’. Tenho quase dois metros, esse cabelo todo, um nariz desse tamanho, e me visto super clássica. Posso usar um tailleur que encomendei há 20 anos, ou um que eu comprei ontem, eles são iguais. Tive um vestido que usei num baile em Paris, em Nova York e na posse do presidente Figueiredo, aqui. Tive de aposentá-lo, porque era tão maluco que não tinha chance. Se eu quisesse usá-lo hoje, seria banal, mas para a época foi um escândalo.

MULHERES BONITAS
Bonita? Bonita é a Vera Fischer, a Teresa Collor. Bonita é minha filha, absolutamente hors-concours, e ela é o contrário da mãe, sempre detestou sair, detestou aparecer.

PERUA, BREGA, CAFONA
Para mim, tudo é a mesma coisa. Não sei definir exatamente, mas quando olho, vejo o que é, sei que é brega, perua, cafona. É se embonecar demais, colocar além da medida, não saber parar na hora certa.

JUÍZA DE SI MESMA
Todo mundo vai ficando mais velho, os valores vão mudando. Sou das poucas que, eu acho, vão continuar bem velhinha, mas bem alta, vou fazer o que sempre fiz, porque gosto disso. Dizem que sempre procurei provocar, causar uma sensação de espanto. Nunca me interessei em causar nada. A única juíza a meu respeito sempre fui eu mesma.

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