PRADA: UMA CAMINHADA DE 103 ANOS

Mudam-se os tempos, mas não muda a humana vontade de requinte e sofisticação.

Nascida há um século para satisfazer uma clientela que frequentava transatlânticos 
e comboios como o Expresso do Oriente, a Prada modernizou-se, mas continua a ser sinônimo de rigor, criatividade e muito dinheiro.
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    Prada: uma caminhada de 103 anos

Pelos ínvios caminhos do Senhor, Bento XVI avança com os passos suavizados pelo toque da melhor pele. “São Prada”, sussurra-se nos bastidores do Vaticano a propósito das “sandálias” deste pescador, o 265.º mortal a ocupar a cadeira de São Pedro. No outro extremo da escala de santidade (ou talvez não, só Deus sabe) está Anna Wintour, a todo-poderosa e, ao que reza a lenda, maquiavélica editora chefe da Vogue norte-americana. O Diabo veste de Prada, chamou-lhe Lauren Weisberger no best-seller rapidamente adaptado ao cinema. A casa de moda italiana agradeceu a publicidade gratuita: na História da Humanidade, há poucas coisas mais eternas do que o velho charme dos vilões.

Tudo começou há 103 anos. Em 1913, os irmãos Mario e Martino Prada abriram, nas Galerias Vittorio Emanuele (o coração comercial de Milão), uma loja destinada a vender malas e outros produtos em pele, tudo com o maior requinte. “Fratelli Prada – Valigerie” assim lhe chamaram. Viviam num tempo totalmente diverso do nosso, em que viajar só estava ao alcance dos muito ricos, sendo, mesmo assim, uma aventura digna da atenção de Agatha Christie e outros profissionais do mistério. Nessa Milão dominada pelo clã Visconti e pelos maestros do Teatro alla Scala, os primeiros clientes da Prada encomendavam os enormes malões com que embarcavam em transatlânticos ou em comboios como o Expresso do Oriente, bem como os acessórios que com eles combinavam: luvas, carteiras, malas de senhora, botas de homem.

Em 1919, tão bons e leais serviços foram reconhecidos pelos reis de Itália: Vittorio Emanuelle III e sua esposa Elena de Montenegro atribuíram à Prada o título de fornecedores oficiais da casa de Saboia, sendo-lhes, por isso, permitido associar as armas reais ao logotipo da marca. Ainda hoje, na primeira loja, esse ambiente Belle Époque, digno de ser recriado num filme de Luchino Visconti, é evocado com painéis mostrando navios que sulcavam oceanos à velocidade dos sonhos.

OBJETO DE FASCÍNIO

Não é um livro barato, mas, como tudo o que traz o selo da Prada, é um luxo para os sentidos e um deleite para a inteligência. Antecipando o centenário, a marca publicou em 2009 um monumental volume sobre a História da casa, mas também alguns dos conceitos e princípios adotados na atualidade, nomeadamente a importância das relações com a Arquitetura e as Artes Performativas. Entre os colaboradores do volume contam muitos artistas e designers que, nas últimas décadas, têm contribuído para o sucesso global da Prada. À venda na loja Prada, em Lisboa.

No turbilhão trazido pelas duas guerras mundiais, o fascismo italiano e o advento da sociedade de consumo tal como a conhecemos, não foi fácil aos irmãos Prada manter o negócio acima da linha de água. A classe social a quem serviam acreditara que, uma vez mais, era preciso fazer alguma coisa para que tudo ficasse na mesma, mas, dessa vez, o terremoto fora demasiado profundo para que tal ainda fosse permitido. Na Itália do pós-II Guerra Mundial os heróis pareciam-se mais com jovens como Marcello Mastroianni ou Vittorio Gassman do que com os elegantes, mas atormentados, protagonistas dos romances de D’Annunzio. A mochila caía-lhes melhor do que uma sofisticada mala made by Prada.

O quadro econômico da empresa, em 1978, quando Miuccia a herdou da sua mãe Luisa, filha de Mario, não andava, pois, longe da falência. Estudante de Ciências Políticas na Universidade, aluna de Mímica no Piccolo Teatro, esta menina bem-nascida preferia as artes e a intervenção no mundo real a uma profissão no mundo da moda, coisa tida por fútil e decadente nessa época marcada por desafios políticos e ideológicos diários. Apesar do meio privilegiadíssimo a que pertencia, Miuccia andou então muito próxima do Partido Comunista, do Feminismo, participou em brigadas que colavam cartazes incentivando a população a vários tipos de desobediência civil. A voz do sangue acabou, no entanto, por “falar” mais alto e ela acabou por aceitar recolher o testemunho das gerações anteriores. Mas, como veremos, muito à sua maneira.

Nesse ano em que foi confrontada com a responsabilidade pela sua herança, Miuccia conheceu Patrizio Bertelli, um jovem e enérgico empresário da Toscana com conhecimentos profundos neste setor de mercado. Apaixonaram-se, casaram, tiveram filhos e, de uma mescla bem-sucedida de sentido empresarial e muita criatividade, criaram a fórmula capaz de dar novo fôlego à ambiciosa marca dos irmãos Prada.

A década de 80, que marcou o auge do dress to impresse do sartorialism de qualidade (fazendo a felicidade financeira de criadores como Giorgio Armani e Hugo Boss), permitiu a consolidação desta nova fase da vida da empresa da Lombardia. Em 1983, a Prada abria uma segunda loja, em Milão, na Via della Spiga. O desejo de modernização estava bem expresso aos olhos do visitante, quer através da arquitetura de interiores (com uma identidade bem diversa da primeira loja, bem mais tradicional), quer da inclusão, no catálogo, de toda uma gama de acessórios complementares das malas de mão e bagagem para viagens de luxo, nomeadamente através dos sapatos para homem e mulher.


Era um império em franca ascensão. Dois anos depois, foi apresentada em Milão a primeira coleção de roupa feminina. Em 1992, estimulada pelo indesmentível sucesso, Miuccia criava uma nova marca – a Miu Miu – destinada a um público mais jovem do que o que habitualmente visitava a casa-mãe. Hoje, apesar das nuvens negras pairando sobre o mundo ocidental, a Prada continua a movimentar um volume de negócios na ordem dos dois biliões de libras por ano e a despertar os sonhos consumistas de milhões de cidadãos de todo o mundo.

Do que Miuccia não abdica é de um estilo que agrada às sucessoras das heroínas de Visconti: mulheres com segredos que sabem que o cúmulo do poder está precisamente em não o exibir. Um pouco como Miuccia que desconcerta os jornalistas de moda com o seu velho telemóvel Nokia e declarações que desconstroem sem medo a autoimportância em que o setor gosta de se envolver. “A moda da Prada continua a ser feminina, mas não de um modo romântico. É tudo sobre força. Na verdade, estou sempre a pesquisar novas ideias sobre beleza e feminilidade e o modo como elas são percepcionadas na arte contemporânea”, afirmou recentemente numa entrevista.

Miuccia considera que nada nem ninguém pode ser maior ou mais fascinante do que a vida.

A este conceito tão particular da arte de bem trajar está subjacente uma cultura a que não é estranha a paixão de Miuccia pela arte contemporânea, de que é uma colecionadora apaixonada. A mulher que transformou o nylon preto no mais importante acessório de moda da década de 80, instituiu, com o marido, a Fondazione Prada (em 1995), com o objetivo de apresentar ao público os desafios mais radicais da Arte e da Cultura Contemporânea. Desde então, com o alto patrocínio do casal, a Fundação deu a ver trabalhos de artistas como Sam Taylor-Wood, Anish Kapoor e Marc Quinn, exibidos no quartel-general da empresa em Milão, onde também são apresentadas habitualmente as suas coleções. Do mesmo modo, a marca solicita regularmente a colaboração de criadores muito vanguardistas, nomeadamente no design das cerca de 250 lojas que hoje detém por todo o mundo.

A insaciável curiosidade artística de Miuccia leva-a também a estabelecer frutuosas pontes entre a Moda e o Cinema. Demonstram-no os filmes de animação de James Lima que acompanharam o lançamento das coleções Trembled Blossoms ou Fallen Shadows.

Esta proximidade com o mundo das artes foi decerto uma da razões que recentemente levou o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque a estabelecer paralelismos entre a atividade e concepção de moda de Miuccia Prada e outra criadora italiana, Elsa Schiaparelli (1890-1973), que revolucionou o setor na década de 30, inventando, entre outras originalidades, o cor-de-rosa choque. Membro da antiga aristocracia romana, e senhora de uma segurança a toda a prova, a criadora tinha uma relação criativa muito frutuosa com artistas que hoje são parte da História do século XX, como Salvador Dalí ou Alberto Giacometti.

Não se espere, todavia, que Miuccia comece a criar chapéus em forma de sapato ou vestidos de noite adornados com uma lagosta gigante (ainda hoje as peças mais reconhecidas alguma vez saídas da “forja” de Schiaparelli). A colaboração com artistas fica (e já não é pouco) pelo trabalho de patrocínio desenvolvido pela Fundação.

Existem ainda outras diferenças fundamentais. Ao contrário da sua exuberante compatriota (e de tantos colegas de ofício), Miuccia Prada não aprecia o gênero show off. Como o quartel-general da Prada, em que domina a decoração a preto e branco, ou o seu estilo pessoal, composto por um pullover simples, uma saia rodopiante, saltos altos e pequenos brincos, um estilo vagamente intelectual mesclado por uma suave pitada de fantasia. Schiaparelli era bigger than life. Miuccia, pelo contrário, considera que nada nem ninguém pode ser maior ou mais fascinante do que a vida.

Como escreve a jornalista Dana Thomas, autora de Deluxe: How Luxury Lost its Luster, “entra-se na Prada através de uma porta anônima – não há nome de empresa, placa identificativa, absolutamente nada de ostensivo – e somos cumprimentados por um segurança vestido de cinzento. Tudo é cinzento: o escritório, o hall de entrada, os edifícios das fábricas em redor e boa parte dos automóveis ali estacionados. O único sinal exterior do local em que estamos é justamente o fato do segurança, assinado pela Prada”. Não é preciso mais. O extremo da sedução é não precisar seduzir.

Wikipédia.

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