O que é mentira?

O que é mentira?

by Renato Nalini

Antigamente – sou de antigamente… – o dia 1º de abril era considerado “o dia da mentira”. Ingênuas as brincadeiras que então eram usuais. “Sabe quem morreu?” “O Presidente da República foi deposto!”. E tantas outras inocentes tentativas de causar perplexidade, logo seguidas de “É mentirinha!”.

Tempos incríveis. Hoje a coisa é diferente. O que parece mentira, infelizmente é verdade. Parece que a população já perdeu a capacidade de se surpreender. O exagero nos escândalos, nos descalabros, no deboche e no acinte, o abuso e a desfaçatez com que são praticados malfeitos de toda a ordem, edificam um quadro surrealista. Preferíamos que tudo fosse inverdade.

Mente-se muito, mente-se até descaradamente. E com tanta convicção, que aos olhos de quem ouve, parece que o pronunciamento traduz a mais límpida verdade.

Verdade que o conceito de verdade e mentira é polêmico e nebuloso. Cristo perguntou a Pilatos: “O que é a verdade?”. E não recebeu resposta.

Há quem sustente que há tantas verdades quantos os focos de visão de quem observa. Cada olho interior, o ângulo de análise da consciência, enxerga de uma forma. O egoísmo também nos faz enxergar o que queremos ver. Moldamos o que é aparentemente objetivo, de acordo com o nosso subjetivismo. Conforme a deformação de nossa vontade.
Mentira e verdade podem às vezes caminhar juntas e se confundirem. Isso ocorre, por exemplo, quando se colhe o testemunho de circunstantes que observaram o acontecimento que depois relatarão. Narra-se o exemplo dos cinco cegos a descreverem o elefante que tentaram conhecer pelo tato. Cada um deles oferecerá uma versão, correspondendo à verdade apreendida. O que é perfeitamente compreensível nesse caso. Ninguém poderia ser acusado de mentir.
Há todo um folclore a respeito da mentira. Como a entrevista do cantor que afirmou ao repórter: “nunca usei droga; mas minto um pouco”…

Como seria bom, de qualquer maneira,se voltássemos ao tempo em que a mentira tinha um dia especial e servia a lúdicos e simplórios jogos entre amigos. Hoje, todo o dia é dia de mentira… Precisamos inventar um “dia da verdade”.

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 02/04/2015
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015.

Imagem: http://pixabay.com/

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